Vantuil Abdala*
RESUMO: Este artigo trata dos desdobramentos do pressuposto da transcendência, inserido no art. 896-A da CLT e regulamentado pela Lei nº 13.467/2017. Foram abordados
de forma analítica cada um dos pressupostos da transcendência e feitas considerações
e críticas sobre a letra da lei, além de indagações de como seria a aplicação da regra
da transcendência, considerando a inclusão dos §§ 2° a 6° no art. 896-A. Ao final,
concluiu-se que a utilidade maior do referido instituto seria a de que diante de uma
questão transcendente e de uma decisão teratológica, se adote o menor rigor possível
no conhecimento do recurso. Dessa maneira, a transcendência não será apenas mais
um requisito formal para “matar processo” e, sim para homenagear a justiça.
PALAVRAS-CHAVE: Transcendência. Recurso de Revista. Tribunal Superior do
Trabalho.
ABSTRACT: This article examines the unfolding of the premise of transcendence,
inserted in art. 896-A of CLT and regulated by Law no. 13,467/2017. Each of the
premises of transcendence were analyzed and, considerations and critiques about the
letter of the law were made, as well as questions of how the rule of transcendence it
would be applied considering the inclusion of paragraphs 2 to 6 in art. 896-A. In the
end, it was concluded that the utility of this legal institute would be that in the face
of a transcendent question and a “teratological” decision, the least possible rigor
is adopted on the acceptance of the appeal. In this way, transcendence will be a way
to honor the justice, rather then only one more formal requirement to “kill process”.
KEYWORDS: Transcendence. Appeal of Review. Brazilian Labor High Court.
1 – Recurso de Revista: formalidades
Éde Veríssimo: “Sempre que você tiver dificuldade para começar uma
crônica, comece por um provérbio chinês”.
Não é um provérbio chinês, mas é proverbial a dificuldade para se ter
um Recurso de Revista conhecido no Tribunal Superior do Trabalho – TST.
Faz-se pouco para que sejam diminuídos os conflitos do trabalho, mas
faz-se muito para dificultar a possibilidade de recurso.
A toda hora há uma novidade no Tribunal para restringir ainda mais o
exame da matéria de fundo, o direito material, que é, afinal de conta, o que
interessa. Ou seja, a própria razão de ser do TST.
Veja-se que, ultimamente, passou-se a exigir que se faça no recurso o
cotejo entre o trecho do acórdão recorrido e a violação alegada ou a divergência
suscitada, sob pena de não ser conhecido o recurso.
Aí o recurso passou a ser parecido com uma planilha de contabilidade.
Fosse apenas para se demonstrar a divergência jurisprudencial, ainda
vá lá.
Mas para que se possa examinar violação legal, é um despropósito essa
exigência. Mesmo porque há certos acórdãos de Regional em que tanto se
alonga ou se tergiversa na fundamentação que não se consegue extrair deles
um trecho específico para o cotejo da violação.
E o pior é que, se se transcreve o inteiro teor do tema da decisão recorrida, há decisões do TST que não conhecem do recurso sob o fundamento de
que não se fez a demonstração analítica da violação.
E agora vem ainda mais uma, sobre a qual, de logo, se nos apresentam
algumas preocupações.
2 – O pressuposto da transcendência
Já havia a previsão desse pressuposto desde que foi inserido o art. 896-A
na CLT, verbis:
“Art. 896-A. O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação
aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.”
Mas a disposição nunca foi aplicada porque havia uma forte resistência
no seio da Corte, principalmente em virtude da indefinição quanto ao sentido
exato do que seria a transcendência e ao modo de sua aplicação.
A Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, inseriu 6 (seis) parágrafos ao art.
896-A da CLT, objetivando afastar essa indefinição e regulamentar sua aplicação.
Do § 1º consta:
“§ 1º São indicadores de transcendência, entre outros:
I – econômica, o elevado valor da causa;
II – política, o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência
sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal
Federal;
III – social, a postulação, por reclamante-recorrente, de direito
social constitucionalmente assegurado;
IV – jurídica, a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista.”
Sobre esse § 1º algumas considerações se arriscam.
A primeira delas é que, como se viu, embora estabeleça os “indicadores
da transcendência”, acaba por acrescentar que são “entre outros”.
Subsiste, pois, a crítica que sempre se fez à efetiva aplicação do pressuposto da transcendência para o cabimento do Recurso de Revista, qual seja, a
indeterminação e a generalidade.
Para reduzir esses inconvenientes, mais apropriado talvez fosse o acréscimo da expressão “que ultrapassem os interesses subjetivos do processo” após
o “entre outros”, tal como adotada no § 1º do art. 1.035 do CPC/2015, para a
Repercussão Geral do Recurso Extraordinário.
O acréscimo se justificaria por estabelecer um princípio básico para o
reconhecimento da transcendência.
De outra parte, se o “entre outros” for objeto de regulamentação interna,
seria bom que se considerasse entre os indicadores de transcendência o aspecto
moral, a exemplo do que continha o § 1º do art. 327 do Regimento Interno
do STF, à época em que havia a Relevância, como pressuposto do Recurso
Extraordinário, verbis:
“entende-se relevante a questão federal que, pelos reflexos de
ordem jurídica, considerados os aspectos morais, econômicos, políticos,
ou sociais da causa, exigir a apreciação do Recurso Extraordinário pelo
Tribunal.” (destacamos)
Não é preciso acentuar que em muitas ações o princípio da boa-fé passa
longe do direito pleiteado ou do resistido
Sob outro ângulo, fiquei a me indagar ainda quanto à indispensabilidade
de o recorrente alegar e demonstrar a existência de transcendência. É verdade
que cabe mesmo ao recorrente fazer essa demonstração. Mas e se não o fizer
e a questão, no entanto, for de transcendência ictu oculi?
É cabível a dúvida, porquanto o art. 896 diz apenas que o TST examinará
primeiramente se a causa oferece transcendência, mas não diz expressamente
que cabe ao recorrente alegá-la e demonstrá-la.
E quanto ao Recurso de Revista Adesivo? Penso que não há dúvida de
que para ele também se aplica a regra da transcendência.
Se para o Recurso de Revista a transcendência é pressuposto de admissibilidade, também deve sê-lo para o Adesivo, por uma decorrência lógica.
Por último, aqui, ao contrário do que propugnam alguns, a transcendência,
penso, deve ser avaliada antes do exame dos outros pressupostos.
Aliás, assim se fazendo, estar-se-á dando exato cumprimento à lei, eis
que o referido § 1º determina o exame prévio da transcendência.
3 – Os indicadores da transcendência
Transcendência econômica
Do item 1, consta como indicador da transcendência econômica o elevado valor da causa.
Não nos parece razoável a definição da transcendência econômica com
base no critério do “elevado valor da causa”, pelo seu subjetivismo e pela sua
irrelevância quanto à configuração da transcendência.
Mesmo porque se atribui um valor à causa apenas em cumprimento a
uma obrigação legal (CPC, art. 291). Outras tantas vezes não tem ela um valor
monetário, a exemplo das ações declaratórias, ainda que suas consequências
econômicas possam ser graves.
E ainda porque, em algumas ações, embora o valor monetário da causa
seja pequeno, a repercussão econômica é grande, como nas obrigações de fazer
ou não fazer.
Por outro lado, quando a ação tem vários pedidos, o valor da causa reflete
a somatória de todos eles.
Agora, se o recurso versa apenas sobre parte destes pedidos, há de se
levar em conta, para efeito da transcendência, não o valor da causa, mas sim o
da soma do que se pleiteia no apelo.
A propósito, se o recurso tiver vários temas independentes um do outro,
o recorrente deverá fundamentar a transcendência de cada um deles.
Como parece óbvio, pode o julgador considerar transcendente um tema
e outro não, e assim, admitir o recurso apenas quanto àquele.
Agora, sempre deverá ser fundamentada a decisão, seja admitindo, seja
negando a existência da transcendência (CR, art. 93, IX).
Por último, aqui, não é demais lembrar que valor transcendente para o
trabalhador não é igual ao de uma empresa.
Transcendência política
O indicativo do item 2 (desrespeito à Súmula do TST ou do STF), já era
pressuposto de conhecimento do recurso de revista (CLT, art. 896, letra a) e
agora basta sua verificação para preencher o requisito.
Apenas fica a indagação: A contrariedade à Orientação Jurisprudencial
não vai ser considerada transcendente?
Transcendência social
Com relação à transcendência sob o aspecto “social”, previsto no item 3,
não nos parece estar abrangida a hipótese de recurso interposto pelo reclamado.
É que nele se refere à postulação apenas por parte do reclamante.
Melhor se entendesse, em observância ao princípio isonômico no tratamento das partes, que a postulação ali contida fosse pertinente a autor ou réu
(CPC, art. 7º). Isto porque decisão contrária ao empregador pode também,
eventualmente, desrespeitar direito social constitucionalmente assegurado.
Diga-se mais, aqui, que a transcendência não decorre simplesmente do
pedido, mas sim da existência de fundamentação no sentido de que um direito
assegurado na Constituição não foi respeitado.
Transcendência jurídica
Quanto ao aspecto “jurídico” da transcendência, parece-nos que deveria
abranger toda a “legislação aplicável à ação trabalhista”, não se limitando à
“legislação trabalhista”.
De há muito a Justiça do Trabalho, em seus julgados, decide também
com base em normas de outros ramos do direito, mormente do direito civil.
Outro tanto se diga quanto aos princípios constitucionais.
4 – O procedimento para aplicação da transcendência
Os §§ 2º ao 6º do art. 896-A pretendem regular a aplicação da regra da
transcendência. Verbis:
“§ 2º Poderá o relator, monocraticamente, denegar seguimento ao
recurso de revista que não demonstrar transcendência, cabendo agravo
desta decisão para o colegiado.
§ 3º Em relação ao recurso que o relator considerou não ter transcendência, o recorrente poderá realizar sustentação oral sobre a questão
da transcendência, durante cinco minutos em sessão.
§ 4º Mantido o voto do relator quanto à não transcendência do
recurso, será lavrado acórdão com fundamentação sucinta, que constituirá
decisão irrecorrível no âmbito do tribunal.
§ 5º É irrecorrível a decisão monocrática do relator que, em agravo
de instrumento em recurso de revista, considerar ausente a transcendência
da matéria.
§ 6º O juízo de admissibilidade do recurso de revista exercido
pela Presidência dos Tribunais Regionais do Trabalho limita-se à análise
dos pressupostos intrínsecos e extrínsecos do apelo, não abrangendo o
critério da transcendência das questões nele veiculadas.”
Se bem se entende, será designada uma sessão especial para julgar o
Agravo previsto no § 2º, somente para a questão da transcendência.
Se não for mantida a decisão monocrática do relator, objeto do Agravo,
o que acontece?
Marca-se outra data para o julgamento da Revista.
É o jeito, parece.
Tudo novamente, só que com 10 minutos para a sustentação oral.
O § 4º estabelece a irrecorribilidade da decisão de Turma que mantém
o voto do relator quanto à não transcendência.
Mas suponha-se que outra Turma, em questão jurídica absolutamente
idêntica, sob todos os aspectos, decida de modo contrário, quanto à transcendência.
Não é transcendente duas ou mais Turmas ficarem decidindo a mesma
coisa de maneira diversa?
O § 5º trata da decisão monocrática do relator em Agravo de Instrumento
estabelecendo ser irrecorrível a decisão que considerar ausente a transcendência
da matéria.
Em primeiro lugar, aqui, se observa que, naturalmente, a transcendência
da matéria é verificada em relação ao Recurso de Revista, e não em relação
ao Agravo. Por mais essa razão, pois, se deve agora reiterar no Agravo de
Instrumento as razões da Revista, inclusive no que concerne ao aspecto transcendência.
Em segundo lugar, parece-nos que, mesmo nessa hipótese do § 5º, seria
de se admitir Agravo da decisão para o colegiado, tal como previsto no § 2º.
É que, tal como se vê do § 6º, no juízo de admissibilidade do Recurso
de Revista na instância de origem, não se examina o critério da transcendência
das questões nele veiculadas.
Se, pois, é originária a decisão monocrática do relator, em Agravo de
Instrumento, sobre a transcendência, razoável seria também que fosse cabível
contra ela o Agravo.
Convém recordar que no STF a decisão quanto ao pressuposto da repercussão geral é decidida por no mínimo 4 ministros (art. 543-A, § 4º, da Lei
nº 11.418/06).
Sob outro aspecto, estabelecendo-se que são irrecorríveis as decisões
referidas nos §§ 4º e 5º, contra ela não caberiam nem Embargos Declaratórios?
Suponha-se, por exemplo, que em um Agravo de Instrumento haja temas
diversos, independentes, e o despacho monocrático só examina um deles. Não
seria melhor haver a oportunidade de se corrigir a falha por meio dos Declaratórios? Penso que a melhor solução seria, mesmo que fossem admitidos os
Declaratórios para a hipótese.
Há, ainda, uma dúvida quanto a se admitir ou não a possibilidade de
Recurso Extraordinário contra a decisão que não admite o Recurso de Revista
por entender que a causa não oferece transcendência.
Como é sabido, cabe Recurso Extraordinário das decisões de única ou
última instância que contrariarem a Constituição (CF/88, art. 102, III).
E a decisão do TST que não admite o Recurso de Revista ou o Agravo
de Instrumento é uma decisão de última instância.
Se, por acaso, houver na decisão do regional violação à Constituição da
República, não vejo como se desconsiderar a possibilidade de Recurso Extraordinário para a Corte Suprema.
5 – A utilidade maior do instituto
Há de se tirar sempre de uma norma o que ela pode ter de mais útil.
Parece-nos que a utilidade maior que se poderia atribuir ao instituto é
a consideração de que, verificada a transcendência, se amainasse todo o rigor
na observância de outras regras de conhecimento do Recurso de Revista. Seja
isto para oportunizar o suprimento de falha (exceto tempestividade) seja para
mitigar o formalismo.
Quantas vezes se esteve diante de uma decisão teratológica, de suma
gravidade e repercussão, mas não se pôde corrigi-la por uma mera formalidade.
Tomara que o Tribunal se impregne desse juízo: se a questão for transcendente e a decisão teratológica, adota-se o menor rigorismo possível no
conhecimento do recurso.
Enfim, que não se use o instituto simplesmente para “matar processo”,
mas primordialmente para homenagear a justiça.
Por último, embora se quisesse, sem “juridiquês”, informalmente, apenas
expor algumas ideias, faz-se uma concessão para Pontes de Miranda1
: “Para se
assegurar a exata realização do direito objetivo, não basta um conjunto de boas
regras de direito processual; é de mister a criação de certas vias de recurso, que
permitam a apreciação da aplicação da lei pelos Tribunais”.
Recebido em: 10/06/2018
Aprovado em: 14/06/2018
1 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Henrique Cahen, 1947.